domingo, 13 de fevereiro de 2011

É sempre noite no metrô (Bruno Zeni)



É sempre noite no metrô, mesmo quando se
desce pelas escadas rolantes com uma música na
cabeça, que é como continuar a rolar no embalo do
som, caminhando, ritmado, carregando o dia lá de fora.
É sempre o mesmo breu e um mesmo efeito de
imagens refletidas nos vidros, umas luzes que
correm ao longo do túnel.
A música, boa música na cabeça e as pessoas que vão
ficando menores na plataforma quando o trem acelera.
Demora um pouco para se perceber que o escuro dura.
Uns olhos que se fecham lentamente: ela pousa as
pálpebras no lugar e volta a abrir os olhos e faz assim
algumas vezes com um sorriso nos lábios pintados
de vermelho.
A chegada do trem à estação. Bom quando o trem
chega àquelas estações abertas, acima do chão.
Um pouco de ar, um pouco de luz. Dá pra ver a cidade
(e a cidade se toca da existência do metrô).
O jogo de reflexos nos vidros da estação faz com que
um poste de luz se encaixe no corpo de um homem.
De pé, dentro do outro vagão. Seu corpo é poste e
fiação, resistência e ligações clandestinas.
Os grandes cílios parecem que ondulam. O lápis no
olho, a sandália no pé, as pernas cruzadas, a música:
cruza e descruza as pernas e o sorriso está lá.
Tem uma bolsa no colo.
A cabeça se equilibra acima do poste: o homem no
metrô, o poste lá embaixo na rua, unidos no vidro.
O trem acelera dentro do túnel de novo.
Um grupo de garotas conversa sobre os meninos do
cursinho. Os olhos de um velho de pernas cruzadas
escorrem de visgo. O nervo, o vinco e o visgo. Desculpe
incomodá-los, mas venho humildemente pedir uma
ajuda, uma contribuição, que a situação não está fácil,
são as crianças na escola e os velhos doentes...
As pessoas dormindo. Duas senhoras de pernas e pés
inchados. Os office-boys e suas pastinhas. Os caras
de terno. A música na cabeça. A escuridão do túnel.
A música, que é um lance que faz pirar mesmo. Ficar
no embalo da música. Que pára quando o metrô chega
na estação.
O barulho dos freios. As portas se abrem. Aquela gente
toda saindo dos vagões.
Todos os sons (os que existem e os que não). A música
volta é como se ela tivesse só abaixado um pouco
aqui dentro. As escadas rolantes – subindo, subindo,
em velocidade constante – e de novo o dia, do lado
de fora, que já dá para vê-lo surgir. A luz. Caminhando,
ritmado. O som no máximo. (Zeni, 23/24)