"- Senhor meu - respondeu Sancho - retirar-se não é fugir; nem no esperar vai prova de sisudeza quando a coisa é mais perigosa que bem figurada. Próprio dos sábios é o pouparem-se de hoje para amanhã; e saiba Sua Mercê que um ignorante e rústico pode mesmo assim acertar uma vez por outra com o que chamam regras de bem governar. Portanto não lhe pese de haver tomado o meu conselho; monte no Rocinante, se pode, ou eu o ajudarei, e siga-me, que me diz uma voz cá dentro que mais úteis nos podem nesta ocasião os pés que as mãos".
(Cervantes)
Ao ler o extrato acima, por algum tempo fiquei pensando no post sobre a Impermanência. Lá falei de uma espécie de “herança genética” da inconstância que circula pela minha família fazendo-nos mudar muito mais que o necessário.
Se, por um lado, essas mudanças excessivas podem ser vistas como algo nocivo e, até certo ponto pejorativo, por outro, pode ser um sinal de sagacidade e inteligência. Neste sentido, mudar torna-se fruto da coragem (ou da falta dela) e da sensibilidade. Ou seja, a primeira diz respeito à constatação de que não se consegue seguir adiante por medo, por insegurança, por falta de perspectiva ou porque há um caminho tão melhor do que o que se está que é preciso encher o peito e fazer um corte brusco.
A segunda exige a habilidade de perceber (e ouvir a “voz cá dentro”) que é tempo de esperar ou até mesmo adequar um pouco a direção do olhar, para poder continuar. O comando para os pés, andar para outro lado ou parar, faz-se mais perspicaz do que a habilidade de continuar esculpindo algo que, se sabe, não é mais tempo, não resultará em bela forma.
Seja qual for o motivo, o ato de mudar está ligado ao sentimento de encontrar alegria no percurso, não apenas na chegada, ou como bem disse Caetano: “encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor...”.
Acho que meu coração fica mais tranquilo por existir também esta outra leitura.
Palimpsesto: do grego antigo παλίμψηστος / palímpsêstos ou seja, "riscar de novo" (πάλιν, "de novo" e ψάω, "riscar"). Sobreposições, intertextualidades.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
sábado, 5 de junho de 2010
Da exigência
Outra coisa que descobri olhando para meus familiares, foi a herança que meu pai cultivou. É incrível como um exemplo pode ser muito mais forte do que as palavras.
Meu pai sempre foi um homem calado e, até certo ponto distante. Nunca sentava à mesa para comer com a gente; não tínhamos esses rituais tão importantes. Também nunca foi de conversar, perguntar sobre meu dia, sobre a escola, sobre a vida. Muito desse comportamento se explica, ou se agrava (acredito) pela atividade que exerceu por muito tempo: trabalhou no IML, muitas vezes carregando corpos – atividade nem um pouco gratificante.
E tudo isso por um senso de responsabilidade incrível, por uma necessidade dele de não deixar que nada nos faltasse. Mas faltou. Sempre falta alguma coisa. Faltou o afago no cabelo, o abraço apertado e ao mesmo tempo solto e leve, sem a restrição da distância fina e invisível que nos separou. Faltou o calor do colo, faltou a mão para segurar na hora do choro.
Mas não faltaram exemplos – de pró-atividade, de trabalho duro e honesto. Sempre vi meu pai consertando o que estava quebrado, sempre procurando o que fazer, trabalhando em até 3 empregos simultaneamente para suprir nossas necessidades. E foi esse comportamento que moldou minha visão e expectativa com relação aos homens, modelo que carrego ainda hoje.
Para mim homem tem que ser “o homem da casa” e isso me fez exigente demais. Não encontrando esse modelo, senti a necessidade de me tornar independente, de não esperar que homem nenhum fizesse o que julgo necessário.
Fica difícil, a partir deste ponto de vista, não ser exigente ao extremo comigo mesma. Fazer com que as coisas aconteçam a despeito de ter ou não alguma ajuda. Essa exigência recai, inevitavelmente, sobre as pessoas que me cercam: exijo delas no mesmo nível que exijo de mim; exijo até mesmo a perfeição que, certamente, não tenho.
Meu pai sempre foi um homem calado e, até certo ponto distante. Nunca sentava à mesa para comer com a gente; não tínhamos esses rituais tão importantes. Também nunca foi de conversar, perguntar sobre meu dia, sobre a escola, sobre a vida. Muito desse comportamento se explica, ou se agrava (acredito) pela atividade que exerceu por muito tempo: trabalhou no IML, muitas vezes carregando corpos – atividade nem um pouco gratificante.
E tudo isso por um senso de responsabilidade incrível, por uma necessidade dele de não deixar que nada nos faltasse. Mas faltou. Sempre falta alguma coisa. Faltou o afago no cabelo, o abraço apertado e ao mesmo tempo solto e leve, sem a restrição da distância fina e invisível que nos separou. Faltou o calor do colo, faltou a mão para segurar na hora do choro.
Mas não faltaram exemplos – de pró-atividade, de trabalho duro e honesto. Sempre vi meu pai consertando o que estava quebrado, sempre procurando o que fazer, trabalhando em até 3 empregos simultaneamente para suprir nossas necessidades. E foi esse comportamento que moldou minha visão e expectativa com relação aos homens, modelo que carrego ainda hoje.
Para mim homem tem que ser “o homem da casa” e isso me fez exigente demais. Não encontrando esse modelo, senti a necessidade de me tornar independente, de não esperar que homem nenhum fizesse o que julgo necessário.
Fica difícil, a partir deste ponto de vista, não ser exigente ao extremo comigo mesma. Fazer com que as coisas aconteçam a despeito de ter ou não alguma ajuda. Essa exigência recai, inevitavelmente, sobre as pessoas que me cercam: exijo delas no mesmo nível que exijo de mim; exijo até mesmo a perfeição que, certamente, não tenho.
terça-feira, 1 de junho de 2010
Da impermanência
Hoje pela manhã, refletindo sobre um sentimento que tem me angustiado fiquei pensando em como classificá-lo e de onde vinha.
É interessante perceber como carregamos sentimentos e ações dos nossos familiares, próximos ou distantes. Sempre observei e até mesmo critiquei minha avó por sua necessidade constante de se mudar de casa. Desde que me entendo por gente, minha avó já se mudou milhares de vezes e, não só de casa... Quando a coisa aperta, ela se muda até de cidade.
Minha mãe, por sua vez, também gosta de mudar de cidade: quando está em Fortaleza quer estar em São Paulo; quando está em São Paulo quer voltar correndo pra Fortaleza. Além disso, ela muda muito de planos: às vezes quer uma casa no campo e uma aposentadoria que lhe permita cuidar de galinhas e plantas; às vezes quer dar um salto na carreira, estudar e fazer mestrado.
Meu tio, irmão da minha mãe e, quase que obviamente, filho da minha avó, muda de esposa. Acho que esse é o tipo de mudança mais complicado. Ele acaba de terminar seu terceiro casamento e, pelo que tudo indica, está caminhando para a quarta união, que sabe-se lá quanto tempo vai durar.
Foi aí que percebi que eu também tenho mania de mudar: muitas vezes essa necessidade não passa do estágio da vontade e acho que isso é bom. Lembrei de todas as vezes que mudei de emprego e de todas as vezes que quis mudar de país, que eu quis mudar de vida.
Sempre acreditei que essa impermanência guarda uma relação íntima com algo não resolvido dentro. É como se fosse uma válvula de escape para não encarar a realidade dos fatos – não posso mudá-los então mudo eu, giro, dou uma pirueta e vejo em que ângulo vou parar.
Entendo que mudanças são necessárias e até mesmo inevitáveis em alguns casos, mas é importante que, na medida do possível, sejam planejadas, tenham um objetivo e não funcionem como fuga que, muitas vezes, é fuga de si mesmo.
As mudanças, quando bem orientadas tendem a ter resultados positivos com reflexo no aumento da auto-estima de quem muda. Caso contrário, implica em instabilidade, construções pouco duradouras e resultados voláteis o que, quase nunca, representa um benefício, já que se planta, mas não se colhe (pois não dá tempo).
Bem, perceber a tempo já é um começo... Até que eu mude de ideia!
É interessante perceber como carregamos sentimentos e ações dos nossos familiares, próximos ou distantes. Sempre observei e até mesmo critiquei minha avó por sua necessidade constante de se mudar de casa. Desde que me entendo por gente, minha avó já se mudou milhares de vezes e, não só de casa... Quando a coisa aperta, ela se muda até de cidade.
Minha mãe, por sua vez, também gosta de mudar de cidade: quando está em Fortaleza quer estar em São Paulo; quando está em São Paulo quer voltar correndo pra Fortaleza. Além disso, ela muda muito de planos: às vezes quer uma casa no campo e uma aposentadoria que lhe permita cuidar de galinhas e plantas; às vezes quer dar um salto na carreira, estudar e fazer mestrado.
Meu tio, irmão da minha mãe e, quase que obviamente, filho da minha avó, muda de esposa. Acho que esse é o tipo de mudança mais complicado. Ele acaba de terminar seu terceiro casamento e, pelo que tudo indica, está caminhando para a quarta união, que sabe-se lá quanto tempo vai durar.
Foi aí que percebi que eu também tenho mania de mudar: muitas vezes essa necessidade não passa do estágio da vontade e acho que isso é bom. Lembrei de todas as vezes que mudei de emprego e de todas as vezes que quis mudar de país, que eu quis mudar de vida.
Sempre acreditei que essa impermanência guarda uma relação íntima com algo não resolvido dentro. É como se fosse uma válvula de escape para não encarar a realidade dos fatos – não posso mudá-los então mudo eu, giro, dou uma pirueta e vejo em que ângulo vou parar.
Entendo que mudanças são necessárias e até mesmo inevitáveis em alguns casos, mas é importante que, na medida do possível, sejam planejadas, tenham um objetivo e não funcionem como fuga que, muitas vezes, é fuga de si mesmo.
As mudanças, quando bem orientadas tendem a ter resultados positivos com reflexo no aumento da auto-estima de quem muda. Caso contrário, implica em instabilidade, construções pouco duradouras e resultados voláteis o que, quase nunca, representa um benefício, já que se planta, mas não se colhe (pois não dá tempo).
Bem, perceber a tempo já é um começo... Até que eu mude de ideia!
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